18.1.06

Resposta aos contraditórios do IPPAR e da Metro do Porto

Resposta aos contraditórios do IPPAR e da Metro do Porto
[resposta às excepções de natureza processual ]

«Exmo Senhor Juiz de Direito do tribunal Administrativo e Fiscal do Porto

Processo n.º 2481/05.7BEPRT
Processo cautelar

Os requerentes nos autos, notificados das oposições apresentadas pelos requeridos, vêm pronunciar-se sobre as excepções dilatórias aí suscitadas, do modo que segue:

I -Quanto à providência de suspensão de eficácia do Despacho do presidente do IPPAR
1. Ficaram os réus a saber, em função do conteúdo das oposições apresentadas, que as obras autorizadas pelo despacho suspendendo terão já sido concluídas.


2. No âmbito de um processo a que, desde o início, faltou transparência (há duas semanas atrás a Metro do Porto, SA recusou aos aqui requerentes o acesso à documentação correspondente), marcado por autorizações parcelares para diferentes fases da execução do plano de intervenção no conjunto da Praça da Liberdade, Avenida dos Aliados e Praça General Humberto Delgado, e em que as obras, por duas vezes, começaram antes de haverem sido emitidas as necessárias autorizações do IPPAR, não é fácil, para um observador externo, saber quando, exactamente, termina uma coisa e começa a outra.

3. Embora, no momento da apresentação do requerimento inicial, os requerentes estivessem persuadidos, em face do que era possível observar no terreno e do que se podia ler nos documentos acessíveis, que as obras da primeira fase ainda não tinham terminado, não lhes custa nada admitir que, afinal, fosse outra a realidade.

4. Os requerentes admitem, portanto, que as obras da primeira fase de execução do plano de intervenção no conjunto da Praça da Liberdade, Avenida dos Aliados e Praça General Humberto Delgado tenham terminado.

5. Donde, os requerentes deixaram de ter interesse processual na suspensão da eficácia do despacho do presidente do IPPAR de 06 de Junho de 2005.

6. Pelo que, quanto ao pedido dessa providência cautelar, e só quanto a ele, nada há obstar à absolvição da instância daquela entidade pública.

7. Isto posto, perde qualquer utilidade a discussão da questão da alegada caducidade do direito de os requerentes pedirem tal providência.

8. Embora, para "defesa da honra", se deva dizer que não têm qualquer cabimento as alegações dos requeridos, uma vez que os requerentes, como resulta dos documentos juntos aos autos, apenas em 30 de Agosto tiveram conhecimento do conteúdo do despacho do presidente do IPPAR.

9. Pelo que, mesmo que o prazo disponível para instaurar o processo cautelar fosse de apenas 3 meses (e não é, visto que se trata de providência requerida ao abrigo do art. 120.º/1-a) do CPTA, que implica, por necessidade, uma apreciação liminar da legalidade do acto, sobretudo quando se lhe imputa exclusivamente vícios geradores de nulidade), situando-se o seu termo inicial em 16 de Setembro (art. 58.º/3 do CPTA e 144.º/4 do CPC), apenas se esgotaria em 16 de Dezembro de 2005.

10. Sendo, aliás, chocante que o IPPAR defenda, na sua oposição, que o prazo para a acção de impugnação deveria começar a correr antes mesmo de existir o acto impugnado, só porque, ilegalmente, as obras de execução já haviam começado previamente.

II -Quanto ao pedido de intimação do IPPAR para se abster de autorizar as obras da segunda fase de execução do plano de intervenção da Metro do Porto, SA

11. Sabendo da iminência da instauração do presente processo cautelar, o presidente do IPPAR, através de Despacho emitido no domingo de 11 de Dezembro de 2005 (reconheça-se a diligência e o desvelo de quem trabalha ao domingo), autorizou a realização das obras da segunda fase de execução do plano de intervenção da Metro do Porto, SA.


12. Desse Despacho, notificado à Metro do Porto, SA por ofício de 13 de Dezembro, tiveram os requerentes conhecimento apenas no momento em que foram notificados das oposições dos requeridos _ tratando-se, portanto, de um facto superveniente ao momento de entrada do requerimento inicial na secretaria do tribunal (12 de Dezembro).

13. O referido Despacho tem um significado confessório e uma consequência processual.

14. Um significado confessório porque, em rigor, ao autorizar os trabalhos da segunda fase da execução do plano de intervenção no conjunto da Praça da Liberdade, Avenida dos Aliados e Praça General Humberto Delgado, os requeridos reconhecem não só que a autorização de 06 de Junho apenas à primeira fase dizia respeito, mas também, e sobretudo, que a Metro do Porto, SA, com a conivência do IPPAR, entre meados de Novembro e 13 de Dezembro, violou impunemente a lei, fazendo obras a descoberto da necessária autorização _ ou seja, os requeridos reconhecem o que, a tal propósito, é alegado no requerimento inicial deste procedimento cautelar.

15. A consequência processual é óbvia: tendo o IPPAR autorizado a realização das obras da segunda fase do plano de intervenção da Metro do Porto, SA, o pedido da providência de intimação para a correspondente abstenção deixou de ter, supervenientemente, qualquer utilidade.

16. Quanto a este pedido cautelar, admite-se, naturalmente, sem qualquer rebuço, a inevitabilidade de extinção parcial da instância.

17. Boa parte do conflito entre as partes (melhor dizendo, entre os requeridos e os bens de fruição colectiva defendidos pelos requerentes), transferir-se-á para o processo cautelar endereçado ao decretamento da suspensão da eficácia do Despacho do presidente do IPPAR de 11 de Dezembro, cujo requerimento inicial, no momento presente, já deu entrada na secretaria deste tribunal.


III -Quanto à providência de intimação para a Metro do Porto, SA cessar as obras que vem realizando

18. Quanto ao pedido de intimação para a cessação das obras em curso, a Metro do Porto, SA alega, desde logo, que, por extemporaneidade, teria caducado o direito de acção dos requerentes.
19. No entendimento daquela requerida, ter-se-ia esgotado o prazo de 3 meses previsto no art. 58.º do CPTA, referente à acção especial de impugnação de actos administrativos.

20. Ora se, em tese, poderia admitir-se semelhante raciocínio quanto à providência de suspensão de eficácia, já o mesmo se revela completamente descabido a respeito da providência de que ora se trata.

21. Efectivamente, a providência de intimação para a cessação das obras, como se esclarece no artigo 8 do requerimento inicial, constitui preliminar da acção principal em que se pedirá a condenação do IPPAR, do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAOT) e do Município do Porto a, no exercício das competências de fiscalização e regulação que a lei lhes atribui, emitirem decisões que obriguem a Metro do Porto SA a cessar as obras ilegais que vem realizando e a repor a situação preexistente.

22. Trata-se, portanto, de uma acção administrativa especial destinada à condenação na prática de um acto devido (arts. 66.º e ss. do CPTA).

23. Como decerto é do conhecimento da Metro do Porto, SA (haja honestidade argumentativa!), os prazos para a propositura deste tipo de acção especial acham-se previstos no art. 69.º do CPTA, e não no art. 58.º.

24. Ora, tratando-se, no caso em apreço, de uma situação em que as entidades a demandar na acção principal, não obstante as instâncias dos requerentes, continuam inertes e silentes (não deferindo, nem indeferindo), o direito de acção apenas caduca decorrido que seja 1 ano após o termo do prazo legal para a prática do acto devido.

25. Sabendo-se que, no caso dos autos, a actuação ilegal da Metro do Porto, SA se iniciou em Maio de 2005, é patente, mesmo que o prazo de 1 ano se iniciasse nesse mês, que jamais se pode dizer ter caducado o direito de agir.

26. Além da excepção de caducidade do direito de agir _ que já vimos ser completamente infundada _, alega também a Metro do Porto, SA que os requerentes não teriam indicado, no requerimento inicial, a acção principal de que dependeria a providência cautelar de intimação para a cessação das obras, em pretensa violação do disposto no art. 114.º/3-e) do CPTA.

27. A este respeito, a Metro do Porto, SA ensarilha-se em equívocos de vária ordem. Desmontemo-los:
28. Em primeiro lugar, deve sublinhar-se que não há qualquer violação do art. 114.º/3-e) do CPTA, uma vez que os requerentes, no já citado 8 do requerimento inicial, identificam com clareza o processo principal a que, subsequentemente, será apenso o presente processo cautelar.
29. O problema daquela requerida, aliás, é outro (embora por ela própria incorrectamente equacionada): a Metro do Porto, SA crê que o pedido cautelar que contra ela é dirigido tem de ser dependência de uma acção principal também contra ela proposta; e como uma acção contra um particular (no caso uma sociedade anónima) não pode ser instaurada ao abrigo da legitimidade popular, por força do disposto no art. 37.º/3 do CPTA, faltaria aos requerentes legitimidade para demandarem a concessionária de metro do Porto

30. Entendamo-nos: é verdade que o disposto no art.º 37.º/3 do CPTA não admite uma acção popular proposta por particulares contra outros particulares. Ninguém minimamente sabedor porá isso em causa.

31. É, de resto, por isso mesmo, que os requerentes não instaurarão contra a Metro do Porto, SA qualquer acção principal _ a qual, pois, deliberadamente, se omitiu no artigo 8 do requerimento inicial.

32. O que é, porém, absolutamente despropositado é pensar-se, ou pretender-se, que uma providência cautelar de abstenção de um comportamento por parte de um particular só pode ser dependência de uma acção principal contra ele próprio instaurada.

33. No direito processual administrativo português, já há muito é possível, no âmbito da providência de intimação para um comportamento que estava prevista no art. 86.º da LEPTA, que os particulares solicitem a abstenção de uma conduta de outro particular como meio acessório de uma acção principal proposta contra a entidade pública inerte no exercício das suas competências.

34. Mais: no âmbito do art.86.º da LEPTA, era mesmo forçoso, e inevitável, que a acção principal fosse proposta contra o órgão administrativo competente.

35. O art.112.º/2-f) do CPTA, que sucede àquele preceito da LEPTA, continua a permitir, evidentemente, providências de intimação contra particulares como dependência e acessório de acções principais promovidas contra entidades públicas _ é, de resto, essa a situação normal .

36. O art. 37.º/3 do CPTA (referente à acção administrativa comum, e não à especial), não pondo em causa o acquis proveniente da intimação para um comportamento do art.86.º da LEPTA (sobretudo se se pensar que o CPTA está impregnado e é dominado pelo princípio pro actione), acrescenta-lhe, no domínio do chamado contencioso de particulares, um plus inovador: permite que um particular possa demandar em via principal um outro particular.

37. Donde, em face do direito em vigor, o contencioso administrativo de particulares compreende duas modalidades: providência de intimação requerida por um particular contra outro particular como acessório de uma acção administrativa especial proposta contra uma entidade pública, ao abrigo do art. 112.º/2-c) do CPTA; acção administrativa comum instaurada por um particular contra outro particular, com base no art. 37.º/3 do CPTA.

38. No caso em apreço, a providência cautelar cujo decretamento é pedido pelos requerentes insere-se na primeira daquelas modalidades: é, portanto, inteiramente admissível, sem ter que constituir apenso de qualquer acção principal a instaurar contra a Metro do Porto, SA.

Em suma, considerando os conhecimentos e os factos supervenientes à instauração do processo cautelar (bem reveladores, aliás, do comportamento lastimável das requeridas), entendem os requerentes que:

a) deve o IPPAR ser absolvido da instância quanto à providência de suspensão de eficácia do Despacho de 06 de Junho de 2005, uma vez que, por já estar a sua execução consumada, deixou de haver interesse processual;
b) deve julgar-se extinta a instância quanto ao pedido de intimação do IPPAR para se abster de autorizar as obras da segunda fase de execução do plano de intervenção da Metro do Porto, SA, dado que aquela entidade já emitiu tal autorização, através do Despacho, da autoria do seu presidente, datado de 11 de Dezembro;
c) deve a instância continuar normalmente a sua tramitação relativamente ao pedido de intimação da Metro do Porto, SA para cessar as obras de demolição que vem realizando no conjunto da Praça da Liberdade, Avenida dos Aliados e Praça General Humberto Delgado.

A Sociedade de Advogados»