29.12.05

Do parecer do IPPAR e da sua ilegalidade- opinião jurídica

[transcrito do Texto da petição apresentada no Tribunal Administrativo (requerimento inicial do processo cautelar preliminar à acção popular a instaurar contra o IPPAR, o MAOT e o Município do Porto) ]

I -Da legitimidade popular dos requerentes, e da sua ligação aos bens e valores de fruição colectiva que pretendem defender (...)
II- Identificação da acção principal de que dependerá o presente processo cautelar (...)
III- Dos Factos
A- O conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado e a servidão resultante do seu estatuto de património em vias de classificação (...) http://www.ippar.pt/pls/dippar/pat_pesq_detalhe?code_pass=155834.
B- O plano de destruição do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, a sua fonte inspiradora e as suas fases de execução
a) -O plano da Metro do Porto, SA (...)
b)-A fonte inspiradora do plano da Metro, SA: um grande Arquitecto que não gosta do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado tal como ele é (...)
c)- As fases de execução do plano da Metro do Porto, SA (...)
IV-As ilegalidades (violações de normas de direito administrativo) cometidas pela Metro do Porto SA
A-Realização de obras, que não se integram no objecto da Concessão, sem licença municipal (...)
B -Realização de obras, em bem patrimonial cultural em vias de classificação, sem prévia autorização do IPPAR
61. O conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, dissemo-lo já (cfr. artigos 9 a 18 desta peça), é um bem imóvel em vias de classificação.
62. Nos termos do art. 45.º/3 do da LPC, quaisquer obras ou intervenções em bens imóveis em vias de classificação dependem de prévia autorização do IPPAR.
63. Como se já se esclareceu (supra, artigos 24 a 42 desta peça), as obras que a Metro do Porto SA vem realizando no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado obedecem a um plano alicerçado num estudo preliminar da autoria do Arquitecto Álvaro Siza, cuja execução foi programada em duas fases: numa primeira fase abrir-se-iam as bocas de acesso à estação de metro e transformar-se-iam os passeios norte-poente e norte-nascente da Avenida dos Aliados; numa segunda fase, intervir-se-ia nas placas centrais da Avenida e nas actuais Praças da Liberdade e General Humberto Delgado.
64. O referido estudo preliminar, não obstante ter sido remetido ao IPPAR (cfr., supra, artigo 34 desta peça), nunca foi objecto de qualquer pedido de autorização ou aprovação_ o que, de resto, se compreende, uma vez que, enquanto simples estudo preliminar, não encerra qualquer projecto de execução de obras susceptível de ser autorizado pelo IPPAR.
65. Entretanto, já depois de ter iniciado as correspondentes obras, a Metro do Porto, SA, através de requerimento entrado nos serviços da Direcção Regional do Norte do IPPAR em 19 de Maio de 2005, solicitou a emissão de autorização do projecto de execução das obras da primeira fase, juntando os pertinentes desenhos _ cfr. Doc. 31, que se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido.
66. Através de despacho de 06 de Junho de 2005 (cfr. Doc. 32, que se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido), o presidente do IPPAR, deferindo aquele requerimento, autorizou- (Nota 5- Tanto o instrumento de notificação daquele despacho (cfr. Doc.32), como as informações para que remete aludem a “parecer favorável”. Afigura-se, todavia, que se trata de mera incorrecção terminológica, uma vez que as normas jurídicas que o despacho convoca, designadamente o art. 45.º da LPC, prevêem a figura da “autorização” e não a do “parecer favorável”. Sob pena, portanto, de se entender que o IPPAR praticou um acto cuja competência se não acha prevista na lei, deve considerar-se a expressão “parecer favorável” como significando “autorização” (que é, na verdade, o único acto para o qual o IPPAR tem competência) - a execução das obras da primeira fase de execução do plano de intervenção no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado.
67. Trata-se de um despacho nulo, manifestamente ilegal, como mais adiante se procurará demonstrar.
68. De todo o modo, o que agora importa salientar é a circunstância de, entretanto, a Metro do Porto, SA, em flagrante desobediência à lei, já ter iniciado as obras da segunda fase de execução do seu plano de intervenção (destrutiva) no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, sem que, todavia, tenha sequer solicitado a indispensável autorização ao IPPAR _ que, por conseguinte, ainda não a emitiu.
69. De facto, como as fotografias em anexo permitem confirmar (cfr. Docs. 16 a 30), nas ainda existentes Praças da Liberdade e General Humberto Delgado, bem como nas placas centrais da Avenida dos aliados, já há vedações levantadas e retro-escavadoras que, impunemente, vão demolindo a calçada e liquidando a vegetação.
70. Obras estas que, insiste-se, não foram autorizadas pelo despacho de 06 de Junho de 2005, da autoria do presidente do IPPAR, que, expressamente, segundo a informação para que remete, e homologa, apenas se reporta ao "projecto de execução dos passeios norte-nascente e norte-poente".
71.
Tratando-se, pois, de obras sujeitas a prévia autorização do IPPAR (autorização que, no caso, não existe), já há muito, por força do disposto no art. 47.º da LPC, deveriam ter sido embargadas por esta entidade, que com dócil complacência vem assistindo ao extermínio programado de um espaço que lhe compete proteger _ sendo também o pedido de condenação na emissão desse específico embargo de defesa do património cultural um dos elementos do objecto do processo principal de que este processo cautelar será dependente.

C -Violação do parecer final de Avaliação de Impacto Ambiental (...)
D -Não cumprimento do dever de prévia audição dos cidadãos, imposto na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (Lei da Acção Popular _ LAP) (...)

V -Da manifesta ilegalidade do despacho do presidente do IPPAR cuja eficácia ora se requer seja suspensa
98. Como já se disse (cfr., supra, artigos 61 a 67 desta peça), o presidente do IPPAR, através de despacho de 06 de Junho de 2005, autorizou a realização das obras da primeira fase de execução do plano de intervenção, gizado pela Metro do Porto, SA, no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, correspondentes à abertura das bocas de acesso à estação subterrânea e à transformação dos passeios norte-nascente e norte-poente _ cfr. Doc. 32.
99. Apesar de a autorização do IPPAR se cingir às obras da primeira fase de execução, não é menos verdade que ela assenta no beneplácito acrítico conferido ao plano global de intervenção e, em última instância, ao estudo preliminar do Arquitecto Álvaro Siza.
100. Aliás, uma leitura atenta das informações que o despacho assimila e homologa, deixa perceber que o IPPAR, mais do que aferir o projecto de execução das obras da primeira fase em função das disposições legais aplicáveis, avaliou-o à luz das orientações genéricas do referido estudo preliminar.
101. Ora, de tudo o que se foi deixando alegado (sobretudo, supra, nos artigos 24 a 44 desta peça), emerge uma constatação incontornável: o plano de intervenção da Metro do Porto, SA no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, inspirado no estudo preliminar do Arquitecto Álvaro Siza, consubstancia-se, na realidade, na sua destruição, na sua integral demolição.
102. Relembremo-lo:
- em vez de uma avenida e duas praças, passaremos a ter uma alameda (Nota 10-São as próprias informações homologadas pela autorização do presidente do IPPAR que o atestam expressamente, assim como as declarações daquele na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura _ cfr. Docs. 32 e 35.) ;
- os passeios passarão ser mais largos e a placa central da pretendida alameda mais estreita do que a actual placa central da Avenida dos Aliados;
- em vez de um pavimento de calçada portuguesa em calcário e basalto, passaremos a ter cubos de granito;
- em vez de jardim, de canteiros, de verde, passaremos a ter, cubos de granito, mais cubos de granito, só cubos de granito, no império do cinzento;
- em vez de espaço livre, passaremos a ter uma fonte de inspiração francesa, para, definitivamente, enterrar a história e internacionalizar (descaracterizar) os Aliados.
103. A autorização entretanto concedida não é mais do que um salvo-conduto para a destruição de uma parte desse histórico espaço municipal _ pois que não houve sequer o escrúpulo de solicitar autorização para a demolição do restante, que entrementes se vai consumando.
104. Pois bem, o art. 49.º/2 da LPC faz depender a validade da autorização de demolição, ainda que parcial, de bens imóveis em vias de classificação de pressupostos apertadíssimos e particularmente severos:
.................A autorização de demolição por parte do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal tem como pressuposto obrigatório a existência de ruína ou a verificação em concreto da primazia de um bem jurídico superior ao que está presente na tutela dos bens culturais, desde que, em qualquer dos casos, se não mostre viável nem razoável, por qualquer outra forma, a salvaguarda ou o deslocamento do bem”.
105.
O n.º 3 do mesmo preceito, por seu turno, limita o alcance da autorização de demolição, quando possível, segundo um rigorosíssimo princípio da necessidade:
...................“Verificado um ou ambos os pressupostos, devem ser decretadas as medidas adequadas à manutenção de todos os elementos que se possam salvaguardar, autorizando-se apenas as demolições estritamente necessárias”.
106.
Ainda na mesma senda, que é a da ideia da (compreensível) preservação a todo o custo do património em vias de classificação, o n.º4 do art. 49.º da LPC, de maneira a desencorajar quaisquer estratégias de criação de factos consumados, prescreve:
.....................“A autorização de demolição (…) não deve ser concedida quando a situação de ruína seja causada pelo incumprimento do disposto no presente capítulo, impondo-se aos responsáveis a reposição, nos termos da lei”.
107.
O vigor posto pelo legislador na preservação dos imóveis (designadamente os conjuntos) em vias de classificação evidencia-se também, de modo assertivo, na protecção que, no art. 52.º/2 da LPC, dispensa ao seu próprio contexto (no sentido de enquadramento paisagístico):
...........................“Nenhumas intervenções relevantes, em especial alterações com incidência no volume, natureza, morfologia ou cromatismo, que tenham de realizar-se nas proximidades de um bem imóvel classificado, ou em vias de classificação, podem alterar a especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou contemplação do bem”.
108.
Estas soluções legais, que blindam os bens imóveis em vias de classificação a intervenções perturbadoras da sua especificidade cultural, são, de resto, absolutamente coerentes com as imposições de um dos princípios gerais da política do património cultural, que se acha consagrado no art. 6.º da LPC:
.............................“Inspecção e prevenção, impedindo, mediante a instituição de organismos, processos e controlos adequados, a desfiguração, degradação ou perda de elementos integrantes do património cultural”.
109. Em face de tudo aquilo que vai alegado, afigura-se aos requerentes que o presidente do IPPAR, ao emitir o despacho cuja eficácia ora se pede que seja suspensa, além de não honrar a competência fundamental em que a sua lei orgânica o investe (Cfr. art. 2.º do D.L. 120/97, de 16 de Maio.), violou redonda e crassamente os citados preceitos da LPC, cometendo ilegalidades manifestas _ subsumíveis ao critério decisório enunciado no art. 120.º/1-a) do CPTA.
110. Efectivamente, ao emitir tal despacho, o presidente do IPPAR, em vez de orientar-se pelo princípio da preservação do património cultural (no caso, um imóvel em vias de classificação), postou-se numa atitude de reverencial aceitação de uma opção estética assumidamente determinada pelo propósito de transformar aquilo que, por força da lei, tem de ser mantido a todo o transe.
111. É causa da maior perplexidade que, numa das informações homologadas pelo despacho suspendendo, se diga que “Deste conjunto se destaca negativamente a Praça da Liberdade (…)”.
112. Como é possível que uma entidade que, em 1993, emitiu um despacho que abriu o procedimento de classificação do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, sob o fundamento, correctíssimo, de que se trata de um “conjunto urbano monumental, de particular interesse histórico e artístico” (cfr., supra, artigos 9 a 16 desta peça), venha, agora, com se nada fosse, emitir a seu respeito um juízo de depreciação?!
113. Perplexidade que mais se intensifica quando, na mesma informação, apesar de se reconhecer que a solução do estudo preliminar do Arquitecto Álvaro Siza se traduz numa “solução que rompe radicalmente com a situação existente” (situação existente que ao IPPAR cumpre preservar), se diz, logo a seguir, num exercício de pura demissão da responsabilidade de fiscalização (e de subserviência à autorictas do grande Arquitecto), que ela é de aceitar porque, simplesmente, “consiste (…) numa opção de base dos projectistas”!
114. Ao agir assim, o IPPAR desceu ao grau zero da fiscalização e da fundamentação racional da decisão: aceitou o estudo preliminar, e autorizou a primeira fase das obras, porque, precisamente, tem de respeitar-se as opções dos projectistas! _ ainda que estas opções impliquem a destruição daquilo que a lei incumbe o IPPAR de proteger de qualquer alteração desfiguradora.
115. O IPPAR, repete-se, violou manifestamente a lei, tendo praticado, ao emitir o despacho suspendendo, um acto administrativo para o qual o art. 49.º/5 da LPC estatui a sanção mais grave e radical do direito administrativo: a nulidade.
116.
Nulidade cuja declaração se pedirá na acção principal de que este processo cautelar dependerá.

VI -A ilegalidade de uma mais que provável futura autorização do IPPAR para a realização das obras da segunda fase do plano da Metro do Porto, SA
117. Em função de tudo o que vem de dizer-se, sabe-se já que o IPPAR aceita o plano de intervenção (demolidora) da Metro do Porto, SA no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, sob inspiração do estudo preliminar do Arquitecto Álvaro Siza.
118. Sabe-se, também, que, em consequência disso, autorizou a realização das obras da primeira das duas fases em que a Metro do Porto, SA dividiu a execução do seu plano.
119. Neste quadro de circunstâncias, e considerando a complacência que vem caracterizando a actuação do IPPAR nesta situação, afigura-se aos ora requerentes que é muito provável que esta entidade, quando solicitada para o efeito, venha a proferir despacho de autorização para a realização da segunda fase das obras planeadas pela Metro do Porto, SA para o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado _ obras que, de resto, por antecipação, aquela empresa já iniciou.
120. Tal despacho, a ser de facto emitido, como se prevê, padecerá, inevitavelmente, e pelas mesmas razões, das graves ilegalidades que, supra, nos artigos 98 a 115 desta peça, vão imputadas àquele que corporiza a autorização para a realização das obras da primeira fase.
121. Por essa razão, os requerentes, na conclusão desta peça, pedirão também que o IPPAR seja intimado a não cometer semelhantes ilegalidades, abstendo-se de autorizar as obras da segunda fase do plano de liquidação do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, tal qual ele é _ assim antecipando cautelarmente o efeito que também se visa, a título definitivo, na acção principal de que este processo dependerá.

VII-Conclusão (...)

A Sociedade de Advogados
MATIAS SERRA · FERREIRA DA SILVA · PAULA MANO · PAULO DUARTE · SOFIA PENA

JOSÉ PEDRO LIBERAL . BENEDITA GONÇALVES . MARTA REGO RIBEIRO
ADVOGADOS ESTAGIÁRIOS
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