20.12.05

Providências cautelares contra Metro do Porto S.A. e IPPAR

Texto da petição apresentada no Tribunal Administrativo
(requerimento inicial do processo cautelar preliminar à acção popular a instaurar contra o IPPAR, o MAOT e o Município do Porto)
Índice

Exmo. Senhor Juiz de Direito
do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto

Manuela Delgado Leão Ramos (...); Paulo Ventura Araújo (...); Campo Aberto – Associação de Defesa do Ambiente (...); G.A.I.A – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental (...); e APRIL, Associação Política Regional e de Intervenção Local (...)
Vêm, nos termos dos arts. 112.º/2-f) e 120.º/1-a) e b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), e no uso da legitimidade popular que lhes é reconhecida pelo art. 9.º/2 do CPTA, bem como pelo art. 2.º a Lei 83/95, de 31 de Agosto, requerer, preliminarmente à acção principal, em cumulação
Providências Cautelares de Suspensão de Eficácia de Acto Administrativo e de Intimação para a Abstenção de uma Conduta
contra o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) , com sede no Palácio Nacional da Ajuda, 1319-021 Lisboa;
e a Metro do Porto S.A., sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, com sede na Avenida Fernão de Magalhães, 1862, 7.º, Porto;
com base nos factos e fundamentos jurídico-normativos que cumpre apresentar, como segue:

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I -Da legitimidade popular dos requerentes, e da sua ligação aos bens e valores de fruição colectiva que pretendem defender

1. Os dois requerentes singulares são de nacionalidade portuguesa, encontram-se devidamente recenseados nos cadernos eleitorais e no pleno gozo dos direitos civis e políticos inerentes à esfera jurídica de qualquer cidadão nacional, não sofrendo de qualquer constrangimento ao seu livre exercício – cfr. Docs. 1 e 2, que se juntam e se dão por inteiramente reproduzidos.
2. A Campo Aberto e o G.A.I.A – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental são Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA), sem fins lucrativos, cujo objecto estatutário fundamental consiste na defesa do ambiente, tanto na sua vertente de património natural, como de património construído. (Nota 1- Deve, aliás, sublinhar-se que, nos termos dos arts. 4.º-k) e 17.º/3-b) da lei n.º 11/87, de 7 de Abril de 1987 (Lei de Bases do Ambiente), a noção legal de ambiente, enquanto bem juridicamente protegido, abrange, além do património natural, o património construído, em particular o património cultural. Sobre as relações de inclusão entre o direito do ambiente e o direito do património cultural, pode ver-se José Casalta Nabais, Noção e Âmbito do Direito do Património Cultural, in Revista do CEDOUA, Ano III, n.º 2, págs. 25 e ss.) _ cfr. os respectivos estatutos, que se juntam, como Docs. 3 e 4, os quais aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
3. Às ONGA, em consideração do importante papel que desempenham, reconhece o legislador uma alargada legitimidade processual, independente de qualquer interesse directo na demanda, nos do art. 10º-c) da Lei 35/98, de 18 de Julho.
4. A APRIL, Associação Política Regional e de Intervenção Local é uma associação sem fins lucrativos que, entre outros objectivos, visa a defesa e o aprofundamento da democracia, entendida na sua estreita articulação com o desenvolvimento e estimulando uma nova criatividade interligada em todas as áreas da vida social _ cfr. os respectivos estatutos, que se juntam, como Doc. 5, o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido.
5. Todos os requerentes visam, ao fazerem uso do presente meio processual, proteger o ambiente, preservar o património cultural e a integridade de bens do domínio público do Município do Porto.
6.
Trata-se, de facto, de bens jurídicos susceptíveis de serem ofendidos pelas decisões administrativas e pelos comportamentos contra os quais se rebela a presente iniciativa processual.
7. Numa síntese prenunciadora do que a narração subsequente permitirá revelar com mais detalhe, o que verdadeiramente está em causa é a necessidade de evitar a consumação da destruição irreversível de uma das partes mais nobres do coração histórico da cidade do Porto, consistente no conjunto da Praça da Liberdade, Avenida dos Aliados e Praça General Humberto Delgado _ conjunto que, enquanto tal, dado o seu valor simbólico e cultural, se encontra em vias de classificação.
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II- Identificação da acção principal de que dependerá o presente processo cautelar
8. O processo cautelar que ora, preliminarmente (nos termos do art. 114.º/1-a) do CPTA), se instaura constitui acessório e dependência da acção em que, subsequentemente, se pedirá a declaração de nulidade do acto de autorização do IPPAR cuja eficácia ora se requer seja suspensa, bem como a sua condenação na abstenção de outros futuros actos de autorização, e ainda a condenação do mesmo IPPAR, do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAOT) e do Município do Porto a, no exercício das competências de fiscalização e regulação que a lei lhes atribui, emitirem decisões que obriguem a Metro do Porto SA a cessar as obras ilegais que vem realizando e a repor a situação preexistente.
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III- Dos Factos
A- O conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado e a servidão resultante do seu estatuto de património em vias de classificação
9. «A actual Praça da Liberdade designou-se primitivamente por Casal ou Lugar de Paio de Novais, Sítio ou Fonte da Arca, denominando-se, mais tarde, por Quinta, Campo ou Sítio das Hortas. Foi ainda Lugar ou Praça da Natividade, Praça Nova das Hortas, Praça da Constituição e de D. Pedro IV e, mais recentemente, Praça da República».
10. «
Já em 1691, a municipalidade do Porto e o Capítulo da Sé-Catedral tinham lançado o projecto de estabelecer no Campo das Hortas, propriedade do Capítulo, uma praça pública, entre a Porta de Carros e o Postigo de Santo Elói».
11. «
O projecto não foi por diante, tendo sido retomado em 1709, pelo então Bispo do Porto, D. Tomás de Almeida, que propõe a abertura de uma praça de formato quadrangular digna de "rivalizar com a Plaza Mayor de Madrid".Tratava-se do primeiro grande empreendimento urbanístico de Portugal. Chegaram mesmo a efectuar-se os contactos de aforamentos das parcelas a construir e a lançar os alicerces de alguns dos edifícios, contudo, por dificuldades várias também este projecto não teve continuidade».
12.
«Em 1718 novo projecto foi lançado, cuja realização teve início quando "o cabido da Sé cedeu a 17 de Fevereiro de 1721 terrenos seus expressamente para uma praça". Novas ruas foram então abertas - a rua do Laranjal das Hortas (futura rua dos Lavadouros, hoje desaparecida) e a rua da Cruz (actual rua da Fábrica).Da concretização deste projecto resultaria a Praça Nova das Hortas (ou só Praça Nova) limitada a Norte por dois palacetes (desaparecidos), onde funcionaram os Paços do Concelho até 1915; a Sul pela muralha fernandina, destruída mais tarde em 1788 e substituída por um conjunto monumental - o convento dos Frades de Santo Elói - cuja fachada sobre a praça constitui o edifício "da Cardosa", só terminado no século XIX, mas obedecendo ao primitivo projecto - a praça "tout-court". O lado oriental era ocupado pelo Convento dos Congregados, e o lado poente só mais tarde foi edificado».
13.
«Durante o século XIX, factores vários - a instalação da Câmara no topo Norte (1819); a inauguração da Ponte de D. Luís (1887); a extensão da via férrea até S. Bento (1896) - contribuem para tornar a Praça definitivamente num importante centro político, económico e sobretudo social».
14. «Em meados daquele século, a Praça era já o "ponto predilecto de reunião dos homens graves da política e do jornalismo, da alta mercância tripeira e dos brasileiros". Predominavam os botequins: "Guichard", "Porto Clube", "Camacho", "Suíço", "Europa", "Antiga Cascata", "Internacional", etc., aos poucos desaparecidos em consequência da profunda reestruturação daquela área, onde as entidades bancárias, companhias seguradoras ou escritórios conquistaram o seu espaço».
15. «As obras da Avenida iniciaram-se no dia 1 de Fevereiro de 1916 com a demolição do edifício que serviu de Paços do Concelho, a norte da Praça da Liberdade, acompanhada do desaparecimento das ruas do Laranjal, de D. Pedro, etc. Ao cimo da Avenida erguem-se os modernos Paços do Concelho, edifício em granito e mármore levado a cabo pela primeira vereação republicana saída do 5 de Outubro de 1910. Foi um projecto do arquitecto Correia da Silva (1920). No seu todo, resultou um conjunto urbano monumental, de particular interesse histórico e artístico».

16. O que se deixa transcrito nos artigos 9 a 15 desta peça processual constitui, ipsis verbis, sem tirar nem pôr, a "nota histórico-artística" que justifica a abertura do procedimento de classificação do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, situado no coração do centro histórico do Porto, determinada por Despacho de 28 de Setembro de 1993 do presidente do IPPAR (nota 2- Pode encontrar-se o texto transcrito, e a referência ao mencionado despacho, no sítio electrónico do próprio IPPAR, no endereço: http://www.ippar.pt/pls/dippar/pat_pesq_detalhe?code_pass=155834.) proferido na sequência de requerimento da Câmara Municipal do Porto.
17. Ao abrigo do disposto no art. 18.º/1 da Lei 13/85, de 6 de Julho, então em vigor (e entretanto revogada pela Lei 107/2001, de 8 de Setembro, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural português _ LPC), por força da emissão daquele despacho do presidente do IPPAR, o conjunto ( Nota 3: Nos termos do art. 8.º/1-b) da Lei 13/85, um conjunto é um "agrupamento arquitectónico urbano ou rural de suficiente coesão, de modo a poder ser delimitado geograficamente, e notável, simultaneamente, pela sua unidade ou integração na paisagem e pelo seu interesse histórico, arqueológico, artístico, científico ou social". ) da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado adquiriu o estatuto de bem em vias de classificação, protegido preventivamente pela correspondente servidão administrativa.
18. Não tendo terminado ainda o correspondente procedimento administrativo de classificação, o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado permanece sob o estatuto de património em vias de classificação.
19. O conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, para além da significação histórico-arquitectónica que corporiza, suporta também uma importante simbologia sócio-política, na medida em que se trata de um espaço que testemunhou importantes acontecimentos da vida da cidade e do país.
20. Mas a este emblemático espaço público do Porto não são também alheios os valores artísticos, materializados nos belíssimos desenhos incrustados na calçada portuguesa que recobre os passeios, em parte representativos das tarefas ligadas à produção do vinho do Porto.
21. Característico deste lugar é, igualmente, a vegetação que o anima, com particular realce para os espaços ajardinados, com canteiros floridos, geometricamente recortados.
22. Para permitir uma representação mais impressiva e plástica da breve descrição que acaba de fazer-se, juntam-se algumas fotografias de diferentes épocas históricas e perspectivas _ cfr. Docs. 6 a 14, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
23. Pois bem, é este espaço global, feito de três peças distintas (as duas praças e a avenida), a que a evolução arquitectónica acabou por conferir uma específica coesão, marcado pelo peculiar cromatismo resultante da luminosidade da calçada e do verde dos canteiros, que a Metro do Porto, SA, com a cumplicidade do IPPAR e do Município do Porto e o contributo da negligência do MAOT, já começou a desmantelar, esventrando-o e mutilando-o _ processo a que os requerentes querem pôr termo, enquanto é tempo, de maneira a evitar a consumação de um atentado ao património cultural e ao ambiente.

B- O plano de destruição do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, a sua fonte inspiradora e as suas fases de execução
a) -O plano da Metro do Porto, SA
24.
A Metro do Porto, SA é a concessionária da construção, equipamento e exploração do sistema de metro ligeiro da área metropolitana do Porto. (Nota 4- Os Estatutos da Metro do Porto, SA e as Bases do Contrato de Concessão estabelecido com o Estado Português foram aprovados pelo D.L. n.º 394-A/98, de 15 de Dezembro, entretanto modificado pela Lei n.º 161/99, de 14 de Setembro, pelo D.L. n.º 261/2001, 26 de Setembro, pelo D. L. n.º 249/2002, de 19 de Novembro, pelo D.L n.º 166/2003, de 24 de Julho, e, enfim, pelo D.L. 233/2003, de 27 de Setembro.)
25. A Metro do Porto, SA tomou a seu cargo a projecção, realização e financiamento de uma obra que vem sendo denominada “requalificação da avenida dos aliados”.
26. A realização desta obra, que já está em curso há meses, determinará, se nada se fizer para a sustar, a profunda e radical transformação do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado.
27. Na verdade, se tal obra vier a concluir-se tal como a Metro, SA a projecta, dela resultará, em rigor, a destruição daquele bem dominial em vias de classificação, a eliminação das especificidades histórico-arquitectónicas, ambientais e artísticas que marcam e suportam a sua identidade _ especificidades que, como se viu, supra, nos artigos 9 a 21 desta peça, estiveram na base da decisão, tomada pelo IPPAR, de abrir o respectivo procedimento de classificação, ao que é inerente o estatuto de protecção reconhecido aos bens imóveis em vias de classificação.
28. Efectivamente, entre outros atentados à integridade do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, a Metro do Porto, SA projecta (e, em parte, já vem executando, como mais adiante melhor se explicitará) aí realizar as seguintes intervenções:
-alargamento dos passeios laterais;
-estreitamento das placas centrais;
-colocação de duas bocas de acesso à estação de metro construída no subsolo da Avenida dos Aliados, uma em cada passeio lateral (norte-poente e norte-nascente);
-eliminação definitiva de todos os canteiros e demais coberto vegetal;
-arrancamento das árvores existentes;
-remoção completa e definitiva do pavimento de calçada portuguesa em calcário e basalto, substituindo-o por cubos de granito;
-substituição do pavimento em asfalto das faixas de rodagem por paralelepípedos de granito; -implantação de uma fonte na parte superior da Avenida dos Aliados.
29. Se forem consumadas todas estas intervenções, o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado desaparecerá enquanto tal:
30. em vez de um conjunto arquitectónico feito de três elementos distintos (as duas praças e a avenida) passar-se-á a ter um corpo monolítico, aprumado ao jeito ortogonal de uma alameda;
31. em vez da diversidade cromática dos canteiros de flores, ter-se-á a monotonia cinzenta dos cubos de granito;
32. em vez da luminosidade aconchegante que irradia da calçada portuguesa, imperará a aridez inóspita do granito.

b)-A fonte inspiradora do plano da Metro, SA: um grande Arquitecto que não gosta do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado tal como ele é
33. O plano das obras ditas de requalificação da Avenida dos Aliados assenta num estudo preliminar da autoria do Arquitecto Álvaro Siza, contratado pela Metro do Porto, SA, intitulado "organização do espaço da Praça da Liberdade, Avenida dos Aliados e Praça Humberto Delgado".
34. Este estudo, constituído por uma curta memória justificativa, por uma planta de apresentação e algumas fotografias de várias praças de diferentes países, foi entregue na Delegação Regional do Norte do IPPAR em 29 de Abril de 2005 pelo gabinete de arquitectura Souto Moura, Arquitectos Lda_ cfr. Doc. 15, que se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido.
35. Basta ler a brevíssima memória justificativa que integra este estudo preliminar para se perceber que o arquitecto seu autor faz uma apreciação negativa da actual configuração do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado.
36. Segundo ele, o espaço em causa estaria algo desordenado, denotando alguma "ambiguidade formal" , em resultado de a sua estruturação não ter obedecido ao projecto original do arquitecto Barry Parker, dos princípios do século 20.
37. Neste contexto, a opção de Álvaro Siza torna-se compreensível: consiste em introduzir todas as alterações necessárias para "recuperar a ordem perdida", transformando o espaço segundo uma lógica de alameda.
38. Em suma: na base do plano de obras da Metro do Porto SA está, portanto, a ideia de que o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado é uma espécie de equívoco da história, que deve ser corrigido à luz de um novo princípio ordenador.
39.
Trata-se de uma ideia respeitável. Há, todavia, um "pequeno" obstáculo à sua implementação prática: é que, como já se demonstrou, o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado encontra-se em vias de classificação, tal como é, tal como está, ainda que (segundo o juízo estético de alguns) “desordenado” ou formalmente "ambíguo".
40. E se porventura o espaço for "desordenado" e "formalmente ambíguo", é assim mesmo, desordenado e ambíguo, que está protegido pela servidão inerente ao seu estatuto de bem cultural em vias de classificação.
41. Não se termina este ponto sem salientar que, como a correspondente memória justificativa evidencia, o estudo preliminar da autoria do Arquitecto Álvaro Siza não é sequer algo inteiramente novo, que tenha sido elaborado propositadamente para as obras de construção do canal de metro e suas estações: trata-se, antes, de uma ideia que, já em 2000, havia sido apresentada no âmbito das actividades da sociedade Porto 2001, SA, então abandonada, ao que se sabe, por constrangimentos financeiros.

c)- As fases de execução do plano da Metro do Porto, SA
42.
A Metro do Porto, SA planeou repartir a execução das obras projectadas para o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado por duas fases: numa primeira fase abriria as bocas de acesso à estação de metro (instalada no subsolo da Avenida dos Aliados) e transformaria os passeios norte-poente e norte-nascente da Avenida dos Aliados; numa segunda fase, levaria a cabo as obras previstas para as placas centrais da Avenida e para as Praças da Liberdade e General Humberto Delgado.
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IV-As ilegalidades (violações de normas de direito administrativo) cometidas pela Metro do Porto SA
A-Realização de obras, que não se integram no objecto da Concessão, sem licença municipal

43. Em Maio de 2005, já a Metro do Porto, SA havia iniciado as obras de intervenção no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado.
44. No momento presente, as obras da primeira fase, relativas à abertura das bocas de acesso à estação subterrânea (já funcionais desde Agosto último) e à transformação dos passeios laterais norte-poente e norte-nascente, apresentam-se muito adiantadas, mas ainda não concluídas.
45. As obras da segunda fase começaram, entretanto, há cerca de duas semanas, com o esventramento dos pavimentos e dos canteiros existentes nas Praças e nas placas centrais da Avenida _ cfr. as fotografias que se juntam, como Docs. 16 a 30, os quais aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
46. Todas estas obras vêm sendo realizadas sem que a Metro do Porto, SA tenha obtido, previamente, a necessária licença municipal, como é imposto no art.4.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo D.L. n.º 555/99, de 16 de Dezembro.
47. É certo que o art.7.º/1-e) do RJUE isenta de licenciamento as obras de edificação ou demolição promovidas por entidades concessionárias de obras ou serviços públicos.
48. Todavia, essa isenção não é genérica nem indiscriminada, apenas se referindo às obras que "se reconduzam à prossecução do objecto da concessão".
49.
Nos termos da Base I da Concessão do sistema de metro ligeiro do Porto, o seu objecto consiste na realização das obras de construção do canal e das estações e na exploração comercial do correspondente serviço de transporte.
50. Com o objecto da concessão, assim definido, coincide o próprio objecto social da Metro do Porto, SA, identificado nos arts. 3.º e 4.º dos respectivos Estatutos.
51. Embora as normas que se acaba de convocar, concernentes à delimitação do objecto da concessão e do objecto social estatutário da Metro do Porto, SA, lhe não façam qualquer referência específica, não custa admitir que ainda se possa reconduzir à "prossecução do objecto da concessão" as obras estritamente necessárias para repor a situação urbana alterada pela implantação do canal de metro à superfície ou pela abertura de bocas de acesso às estações subterrâneas e correspondentes entradas de ar.
52. Quer dizer, é compreensível que faça parte do objecto da concessão, e do objecto social da própria concessionária, a efectivação dos trabalhos necessários para reparar os estragos causados à superfície pela realização das obras de construção do canal do metro e das bocas de acesso às estações subterrâneas.
53. Mas, seguramente, já não fazem parte do objecto da Concessão obras que, como aquelas que a Metro do Porto SA vem realizando no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, indo muito além do que a necessidade de reposição determina, se traduzem na transformação completa daquele espaço municipal.
54. Tanto mais quanto é certo que, no caso, se trata de um troço de metro subterrâneo, em que as obras à superfície se limitam à abertura das bocas de acesso à estação e das entradas de ar.
55. Parece, pois, que as obras de completa reconformação urbanística do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado que fazem parte do plano de intervenção da Metro do Porto SA não são feitas por causa dos trabalhos de construção do metro.
56. São feitas, isso sim, por ocasião e a pretexto deles.
57. Aliás, como já se demonstrou, o estudo preliminar que consagra a nova concepção a que se quer submeter aquele espaço municipal é muito anterior ao início das obras que a Metro do Porto, SA vem desenvolvendo, datando de Julho de 2000.
58. Por outro lado, a localização das bocas de acesso à estação subterrânea da Avenida dos Aliados (uma em cada passeio lateral) foi já determinada pela própria concepção de organização do espaço subjacente àquele estudo preliminar.
59. Em suma, as obras que a Metro do Porto, SA vem desenvolvendo no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, cabendo decerto no leque de atribuições do Município do Porto, são seguramente estranhas ao circunscrito objecto da concessão da construção do sistema de metro ligeiro do Porto, e alheias ao objecto estatutário da concessionária.
60.Tratando-se, pois, de obras sujeitas a licenciamento municipal (licenciamento que, no caso, não existe), já há muito deveriam ter sido embargadas pelo Município do Porto, nos termos art. 102.º/1-a) do RJUE _ sendo o pedido de condenação na emissão desse embargo um dos elementos do objecto do processo principal de que este processo cautelar será dependente.

B -Realização de obras, em bem patrimonial cultural em vias de classificação, sem prévia autorização do IPPAR
61. O conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, dissemo-lo já (cfr. artigos 9 a 18 desta peça), é um bem imóvel em vias de classificação.
62. Nos termos do art. 45.º/3 do da LPC, quaisquer obras ou intervenções em bens imóveis em vias de classificação dependem de prévia autorização do IPPAR.
63. Como se já se esclareceu (supra, artigos 24 a 42 desta peça), as obras que a Metro do Porto SA vem realizando no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado obedecem a um plano alicerçado num estudo preliminar da autoria do Arquitecto Álvaro Siza, cuja execução foi programada em duas fases: numa primeira fase abrir-se-iam as bocas de acesso à estação de metro e transformar-se-iam os passeios norte-poente e norte-nascente da Avenida dos Aliados; numa segunda fase, intervir-se-ia nas placas centrais da Avenida e nas actuais Praças da Liberdade e General Humberto Delgado.
64. O referido estudo preliminar, não obstante ter sido remetido ao IPPAR (cfr., supra, artigo 34 desta peça), nunca foi objecto de qualquer pedido de autorização ou aprovação_ o que, de resto, se compreende, uma vez que, enquanto simples estudo preliminar, não encerra qualquer projecto de execução de obras susceptível de ser autorizado pelo IPPAR.
65. Entretanto, já depois de ter iniciado as correspondentes obras, a Metro do Porto, SA, através de requerimento entrado nos serviços da Direcção Regional do Norte do IPPAR em 19 de Maio de 2005, solicitou a emissão de autorização do projecto de execução das obras da primeira fase, juntando os pertinentes desenhos _ cfr. Doc. 31, que se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido.
66. Através de despacho de 06 de Junho de 2005 (cfr. Doc. 32, que se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido), o presidente do IPPAR, deferindo aquele requerimento, autorizou- (Nota 5- Tanto o instrumento de notificação daquele despacho (cfr. Doc.32), como as informações para que remete aludem a “parecer favorável”. Afigura-se, todavia, que se trata de mera incorrecção terminológica, uma vez que as normas jurídicas que o despacho convoca, designadamente o art. 45.º da LPC, prevêem a figura da “autorização” e não a do “parecer favorável”. Sob pena, portanto, de se entender que o IPPAR praticou um acto cuja competência se não acha prevista na lei, deve considerar-se a expressão “parecer favorável” como significando “autorização” (que é, na verdade, o único acto para o qual o IPPAR tem competência) - a execução das obras da primeira fase de execução do plano de intervenção no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado.
67. Trata-se de um despacho nulo, manifestamente ilegal, como mais adiante se procurará demonstrar.
68. De todo o modo, o que agora importa salientar é a circunstância de, entretanto, a Metro do Porto, SA, em flagrante desobediência à lei, já ter iniciado as obras da segunda fase de execução do seu plano de intervenção (destrutiva) no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, sem que, todavia, tenha sequer solicitado a indispensável autorização ao IPPAR _ que, por conseguinte, ainda não a emitiu.
69. De facto, como as fotografias em anexo permitem confirmar (cfr. Docs. 16 a 30), nas ainda existentes Praças da Liberdade e General Humberto Delgado, bem como nas placas centrais da Avenida dos aliados, já há vedações levantadas e retro-escavadoras que, impunemente, vão demolindo a calçada e liquidando a vegetação.
70. Obras estas que, insiste-se, não foram autorizadas pelo despacho de 06 de Junho de 2005, da autoria do presidente do IPPAR, que, expressamente, segundo a informação para que remete, e homologa, apenas se reporta ao "projecto de execução dos passeios norte-nascente e norte-poente".
71.
Tratando-se, pois, de obras sujeitas a prévia autorização do IPPAR (autorização que, no caso, não existe), já há muito, por força do disposto no art. 47.º da LPC, deveriam ter sido embargadas por esta entidade, que com dócil complacência vem assistindo ao extermínio programado de um espaço que lhe compete proteger _ sendo também o pedido de condenação na emissão desse específico embargo de defesa do património cultural um dos elementos do objecto do processo principal de que este processo cautelar será dependente.

C -Violação do parecer final de Avaliação de Impacto Ambiental
72. No quadro normativo então em vigor, consubstanciado no D.L. 186/90 (nota 6- Entretanto revogado pelo D.L. 69/200, de 03 de Maio, depois alterado pelo D.L. 197/2005, de 08 de Novembro.), de 6 de Junho, na redacção resultante do D.L. 278/97, de 08 de Outubro, o projecto geral de construção do sistema de metro ligeiro do Porto estava sujeito à prévia realização de uma Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).
73. Nos termos do art. 2.º/2 daquele diploma legal, o procedimento AIA visa prever, neutralizar e minimizar os efeitos negativos da execução dos projectos a ele sujeitos, no que concerne aos componentes ambientais tanto estritamente naturais (fauna, flora, solo, clima) como humanos, designadamente os bens materiais e o património cultural (o que, de novo, confirma as relações de inclusão que unem o direito do ambiente ao direito do património cultural).
74. O procedimento de AIA, como se achava configurado na legislação coeva aplicável, compreendia três elementos fundamentais: o Estudo de Impacte Ambiental (EIA), a elaborar e a apresentar pelo dono da obra; a consulta pública; e o parecer final sobre o projecto, da competência da tutela governamental do ambiente.
75. No caso em apreço, a Comissão de Avaliação nomeada pela então Direcção Geral do Ambiente emitiu parecer favorável à construção do sistema de metro ligeiro do Porto _ cfr. Doc. 33, que se junta e aqui se dá por inteiramente reproduzido.
76. Tratou-se, contudo, de um parecer favorável condicionado.
77. E condicionado, no que ao caso interessa, ao cumprimento dos programas e medidas de minimização dos impactes negativos do projecto no ambiente e no património cultural previstos e preconizados no próprio EIA _ é justamente este condicionamento (consistente, como se vê, na adopção homologatória das propostas do EIA) que, expressamente, se estabelece na pág. 61 do parecer final da referida Comissão de Avaliação _ cfr. Doc. 33.
78. Quanto aos programas e medidas preconizadas, em geral, pelo EIA, destacam-se os seguintes:
- constituição de “um Programa de Salvaguarda do Património Cultural Construído e um Programa de Acompanhamento Ambiental da obra, que faça a inventariação, prospecção, sondagem e recuperação dos elementos de interesse patrimonial”;
- “medidas necessárias para que o coberto vegetal não seja destruído desnecessariamente”;
- recuperação de todas as áreas que venham a ser afectadas por qualquer processo”;
- recuperar imediatamente após a finalização das obras todos os jardins públicos e arruamentos afectados pelas obras”;
- “recuperar-se imediatamente após a finalização das obras os jardins públicos e arruamentos, destacando-se pela sua localização no centro do Porto e pela natureza das obras aí previstas, a avenida e jardim dos Aliados”;
79. No que diz respeito, especificamente, ao conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, o EIA, para que remete o parecer final da Comissão de Avaliação, é particularmente exigente nos cuidados que preconiza. Nele se pode ler o seguinte:
“Elementos de interesse arquitectónico identificados na área do estudo (…):esta secção corresponde ao jardim dos Aliados, prevendo-se uma grande afectação do mesmo, consequência da obra da linha do metro e da instalação da estação dos Aliados; este impacte será contudo temporário, podendo ser facilmente adoptadas medidas mitigadoras durante a obra, bem como a reposição do jardim imediatamente após a sua conclusão.
80. Para o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, o EIA (para o qual, insiste-se, remete homologatoriamente o parecer final da Comissão de Avaliação), prevê mesmo medidas especiais de "integração estética e paisagística", a saber:
"1. Levantamento topográfico da vegetação.
2. Selecção criteriosa das espécies vegetais existentes no jardim dos Aliados que possam ser transplantadas e o seu devido acondicionamento para posterior recolocação.
3. Recuperação do jardim após a conclusão do empreendimento repondo-se, tanto quanto possível, a situação inicial."
( Nota 7- As passagens do EIA constantes do texto desta peça foram transcritas a partir do volumoso processo consultado na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, do qual não foi possível ainda obter cópia. Por isso que, na parte final desta peça, se requer a intimação da Metro do Porto, SA para trazer aos autos todos os volumes do EIA, cuja elaboração foi responsabilidade sua.)
81. Quanto às obras previstas, e já em curso, para o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, como resulta claramente de toda a narração que antecede (em particular, a que consta, supra, dos artigos 24 a 41), a Metro do Porto, SA, exorbitando largamente do objecto da Concessão de que está incumbida, bem como dos limites do seu objecto estatutário, vem desrespeitando frontal e clamorosamente as condições de que a Comissão de Avaliação fez depender a emissão de parecer favorável ao projecto de construção _ para não dizer, mais radicalmente, que as tem ignorado, actuando como se elas não existissem, ou como se a elas não estivesse vinculada.
82. Com efeito, para além de não se conhecer qualquer plano de salvaguarda do património cultural que tenha elaborado, a Metro do Porto, SA vem fazendo exactamente o contrário daquilo que é determinado no Parecer Final do procedimento de AIA.
83. Ou seja, em nome da obediência reverente e escolástica a uma opção estética (a do Arquitecto Álvaro Siza) a que subjaz a ideia de que o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado não devia ser como é (ainda que seja por ser como é que se acha em vias de classificação como património cultural valioso!), a Metro do Porto, SA, em lugar de preservar, destrói.
84. Em lugar de limitar a sua intervenção ao mínimo absolutamente necessário _ como é preceituado no Parecer Final de AIA _, a Metro do Porto, SA fez-se executora de um plano de aniquilação de tudo aquilo que constitui a riqueza identificadora daquele histórico espaço municipal.
85. Em lugar de repor o coberto vegetal que fosse inevitável desfazer por causa das obras à superfície, a Metro do Porto, SA, prepara-se para sepultar sob um lívido pavimento de cubos de granito mesmo aquilo em que as obras à superfície nem sequer tiveram necessidade de tocar.
86. A realização das obras em violação das condições impostas no Parecer Final do procedimento de AIA constitui ilegalidade grave, que integra mesmo o tipo contra-ordenacional p revisto no art. 10.º do já citado D.L. 186/90, de 06 de Junho, então em vigor.(nota 8- Tipo contra-ordenacional que se mantém no regime de AIA actualmente vigor (cfr. art. 37.º do D.L. 69/2000, de 03 de Maio).
87. Além disso, nos termos do art. 10.º/5 do mesmo diploma legal, compete à entidade com competências de regulação e fiscalização na área do ambiente tomar as medidas previstas no art. 48.º da Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 07 de Abril): intimar os infractores a cessarem a ilegalidade e a reporem a situação preexistente.
88. No caso, a Inspecção Geral do Ambiente (que é o organismo central de inspecção do MAOT, de acordo com o quadro orgânico estabelecido no D.L. 549/99, 14 de Setembro), apesar das instâncias da ONGA Campo Aberto, aqui requerente, nada fez _ cfr. Doc. 34, que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido.
89. Razão pela qual, na acção principal de que este processo cautelar dependerá, se pedirá a condenação do MAOT na emissão de despacho que intime a Metro do Porto, SA a cessar os atropelos aos valores ambientais e patrimoniais-culturais que vem perpetrando no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, bem como a repor a situação preexistente.

D -Não cumprimento do dever de prévia audição dos cidadãos, imposto na Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (Lei da Acção Popular _ LAP)
90.
Preceitua o art. 4.º/1 da LAP que “a decisão sobre a localização e a realização de obras públicas ou de outros investimentos públicos com impacte relevante no ambiente ou nas condições económicas e sociais e da vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional devem ser precedidos, na fase de instrução dos respectivos procedimentos, da audição dos cidadãos interessados e das entidades defensoras dos interesses que possam vir a ser afectados por aqueles planos ou decisões”.
91. No n.º3 da mesma disposição, “são consideradas como obras públicas ou investimentos públicos com impacte relevante para efeitos deste artigo os que se traduzam em custos superiores a um milhão de contos ou que, sendo de valor inferior, influenciem significativamente as condições de vida das populações de determinada área, quer sejam executados directamente por pessoas colectivas públicas quer por concessionários”.
92. Os requerentes não sabem, nem podem saber, qual o valor exacto das obras, incluindo custos de projectos, planeadas pela Metro do Porto, SA para o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado.
93. Mas não é nada improvável que, considerando a sua magnitude e tempo de execução, ultrapasse a cifra de € 5 000 000,00.
94. De todo o modo, trata-se, seguramente, de uma intervenção urbana que influencia significativamente as condições de vida da população do Porto, como, de resto, é testemunhado pela alargada discussão pública informal que tem gerado. (Nota 9-Um excelente repositório dos contributos e manifestações dessa discussão pode ver-se em http://avenida-dos-aliados-porto.blogspot.com/.)
95. A tal ponto que, na sequência de uma petição de vários cidadãos dirigida à Assembleia República, a Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, em sessão agendada para o efeito (realizada a 11 de Outubro de 2005), ouviu, entre outros, o presidente do IPPAR e o presidente da Comissão Executiva da Metro do Porto SA _ cfr. as transcrições efectuadas pelos requerentes a partir da emissão correspondente do Canal Parlamento, das declarações aí prestadas, que se juntam como Doc. 35, o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido.
96. Importa não esquecer que aquilo de que se trata é, assumidamente, de uma intervenção que transforma radicalmente, na sua estrutura, fisionomia e conteúdo, um dos espaços mais emblemáticos da cidade do Porto.
97. Não obstante, a Metro do Porto SA, infringindo o dever a que legalmente estava adstrita _ pois que o seu plano de intervenção naquele espaço municipal se subsume efectivamente na previsão do art. 4.º/1 da LAP _, não pôs em marcha o procedimento de audiência prévia previsto e regulado nos arts. 5.º a 10.º da LAP.
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V -Da manifesta ilegalidade do despacho do presidente do IPPAR cuja eficácia ora se requer seja suspensa
98. Como já se disse (cfr., supra, artigos 61 a 67 desta peça), o presidente do IPPAR, através de despacho de 06 de Junho de 2005, autorizou a realização das obras da primeira fase de execução do plano de intervenção, gizado pela Metro do Porto, SA, no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, correspondentes à abertura das bocas de acesso à estação subterrânea e à transformação dos passeios norte-nascente e norte-poente _ cfr. Doc. 32.
99. Apesar de a autorização do IPPAR se cingir às obras da primeira fase de execução, não é menos verdade que ela assenta no beneplácito acrítico conferido ao plano global de intervenção e, em última instância, ao estudo preliminar do Arquitecto Álvaro Siza.
100. Aliás, uma leitura atenta das informações que o despacho assimila e homologa, deixa perceber que o IPPAR, mais do que aferir o projecto de execução das obras da primeira fase em função das disposições legais aplicáveis, avaliou-o à luz das orientações genéricas do referido estudo preliminar.
101. Ora, de tudo o que se foi deixando alegado (sobretudo, supra, nos artigos 24 a 44 desta peça), emerge uma constatação incontornável: o plano de intervenção da Metro do Porto, SA no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, inspirado no estudo preliminar do Arquitecto Álvaro Siza, consubstancia-se, na realidade, na sua destruição, na sua integral demolição.
102. Relembremo-lo:
- em vez de uma avenida e duas praças, passaremos a ter uma alameda (Nota 10-São as próprias informações homologadas pela autorização do presidente do IPPAR que o atestam expressamente, assim como as declarações daquele na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura _ cfr. Docs. 32 e 35.) ;
- os passeios passarão ser mais largos e a placa central da pretendida alameda mais estreita do que a actual placa central da Avenida dos Aliados;
- em vez de um pavimento de calçada portuguesa em calcário e basalto, passaremos a ter cubos de granito;
- em vez de jardim, de canteiros, de verde, passaremos a ter, cubos de granito, mais cubos de granito, só cubos de granito, no império do cinzento;
- em vez de espaço livre, passaremos a ter uma fonte de inspiração francesa, para, definitivamente, enterrar a história e internacionalizar (descaracterizar) os Aliados.
103. A autorização entretanto concedida não é mais do que um salvo-conduto para a destruição de uma parte desse histórico espaço municipal _ pois que não houve sequer o escrúpulo de solicitar autorização para a demolição do restante, que entrementes se vai consumando.
104. Pois bem, o art. 49.º/2 da LPC faz depender a validade da autorização de demolição, ainda que parcial, de bens imóveis em vias de classificação de pressupostos apertadíssimos e particularmente severos:
.................A autorização de demolição por parte do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal tem como pressuposto obrigatório a existência de ruína ou a verificação em concreto da primazia de um bem jurídico superior ao que está presente na tutela dos bens culturais, desde que, em qualquer dos casos, se não mostre viável nem razoável, por qualquer outra forma, a salvaguarda ou o deslocamento do bem”.
105.
O n.º 3 do mesmo preceito, por seu turno, limita o alcance da autorização de demolição, quando possível, segundo um rigorosíssimo princípio da necessidade:
...................“Verificado um ou ambos os pressupostos, devem ser decretadas as medidas adequadas à manutenção de todos os elementos que se possam salvaguardar, autorizando-se apenas as demolições estritamente necessárias”.
106.
Ainda na mesma senda, que é a da ideia da (compreensível) preservação a todo o custo do património em vias de classificação, o n.º4 do art. 49.º da LPC, de maneira a desencorajar quaisquer estratégias de criação de factos consumados, prescreve:
.....................“A autorização de demolição (…) não deve ser concedida quando a situação de ruína seja causada pelo incumprimento do disposto no presente capítulo, impondo-se aos responsáveis a reposição, nos termos da lei”.
107.
O vigor posto pelo legislador na preservação dos imóveis (designadamente os conjuntos) em vias de classificação evidencia-se também, de modo assertivo, na protecção que, no art. 52.º/2 da LPC, dispensa ao seu próprio contexto (no sentido de enquadramento paisagístico):
...........................“Nenhumas intervenções relevantes, em especial alterações com incidência no volume, natureza, morfologia ou cromatismo, que tenham de realizar-se nas proximidades de um bem imóvel classificado, ou em vias de classificação, podem alterar a especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou contemplação do bem”.
108.
Estas soluções legais, que blindam os bens imóveis em vias de classificação a intervenções perturbadoras da sua especificidade cultural, são, de resto, absolutamente coerentes com as imposições de um dos princípios gerais da política do património cultural, que se acha consagrado no art. 6.º da LPC:
.............................“Inspecção e prevenção, impedindo, mediante a instituição de organismos, processos e controlos adequados, a desfiguração, degradação ou perda de elementos integrantes do património cultural”.
109. Em face de tudo aquilo que vai alegado, afigura-se aos requerentes que o presidente do IPPAR, ao emitir o despacho cuja eficácia ora se pede que seja suspensa, além de não honrar a competência fundamental em que a sua lei orgânica o investe (Cfr. art. 2.º do D.L. 120/97, de 16 de Maio.), violou redonda e crassamente os citados preceitos da LPC, cometendo ilegalidades manifestas _ subsumíveis ao critério decisório enunciado no art. 120.º/1-a) do CPTA.
110. Efectivamente, ao emitir tal despacho, o presidente do IPPAR, em vez de orientar-se pelo princípio da preservação do património cultural (no caso, um imóvel em vias de classificação), postou-se numa atitude de reverencial aceitação de uma opção estética assumidamente determinada pelo propósito de transformar aquilo que, por força da lei, tem de ser mantido a todo o transe.
111. É causa da maior perplexidade que, numa das informações homologadas pelo despacho suspendendo, se diga que “Deste conjunto se destaca negativamente a Praça da Liberdade (…)”.
112. Como é possível que uma entidade que, em 1993, emitiu um despacho que abriu o procedimento de classificação do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, sob o fundamento, correctíssimo, de que se trata de um “conjunto urbano monumental, de particular interesse histórico e artístico” (cfr., supra, artigos 9 a 16 desta peça), venha, agora, com se nada fosse, emitir a seu respeito um juízo de depreciação?!
113. Perplexidade que mais se intensifica quando, na mesma informação, apesar de se reconhecer que a solução do estudo preliminar do Arquitecto Álvaro Siza se traduz numa “solução que rompe radicalmente com a situação existente” (situação existente que ao IPPAR cumpre preservar), se diz, logo a seguir, num exercício de pura demissão da responsabilidade de fiscalização (e de subserviência à autorictas do grande Arquitecto), que ela é de aceitar porque, simplesmente, “consiste (…) numa opção de base dos projectistas”!
114. Ao agir assim, o IPPAR desceu ao grau zero da fiscalização e da fundamentação racional da decisão: aceitou o estudo preliminar, e autorizou a primeira fase das obras, porque, precisamente, tem de respeitar-se as opções dos projectistas! _ ainda que estas opções impliquem a destruição daquilo que a lei incumbe o IPPAR de proteger de qualquer alteração desfiguradora.
115. O IPPAR, repete-se, violou manifestamente a lei, tendo praticado, ao emitir o despacho suspendendo, um acto administrativo para o qual o art. 49.º/5 da LPC estatui a sanção mais grave e radical do direito administrativo: a nulidade.
116.
Nulidade cuja declaração se pedirá na acção principal de que este processo cautelar dependerá.


VI -A ilegalidade de uma mais que provável futura autorização do IPPAR para a realização das obras da segunda fase do plano da Metro do Porto, SA
117. Em função de tudo o que vem de dizer-se, sabe-se já que o IPPAR aceita o plano de intervenção (demolidora) da Metro do Porto, SA no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, sob inspiração do estudo preliminar do Arquitecto Álvaro Siza.
118. Sabe-se, também, que, em consequência disso, autorizou a realização das obras da primeira das duas fases em que a Metro do Porto, SA dividiu a execução do seu plano.
119. Neste quadro de circunstâncias, e considerando a complacência que vem caracterizando a actuação do IPPAR nesta situação, afigura-se aos ora requerentes que é muito provável que esta entidade, quando solicitada para o efeito, venha a proferir despacho de autorização para a realização da segunda fase das obras planeadas pela Metro do Porto, SA para o conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado _ obras que, de resto, por antecipação, aquela empresa já iniciou.
120. Tal despacho, a ser de facto emitido, como se prevê, padecerá, inevitavelmente, e pelas mesmas razões, das graves ilegalidades que, supra, nos artigos 98 a 115 desta peça, vão imputadas àquele que corporiza a autorização para a realização das obras da primeira fase.
121. Por essa razão, os requerentes, na conclusão desta peça, pedirão também que o IPPAR seja intimado a não cometer semelhantes ilegalidades, abstendo-se de autorizar as obras da segunda fase do plano de liquidação do conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado, tal qual ele é _ assim antecipando cautelarmente o efeito que também se visa, a título definitivo, na acção principal de que este processo dependerá.

VII-Conclusão
Eis, assim, meritíssimo Juiz, expostas as razões pelas quais se requer a V.Exa.:
a) intime a Metro do Porto, SA a cessar imediatamente as obras que vem realizando no conjunto da Praça da Liberdade, da Avenida dos Aliados e da Praça General Humberto Delgado;
b) determine a suspensão da eficácia do despacho do presidente do IPPAR de 06 de Junho de 2005, que autorizou a realização da primeira fase daquelas obras;
c) intime o IPPAR a abster-se de proferir qualquer despacho que tenha por conteúdo ou efeito a autorização da segunda fase das mesmas obras.

Requerimento probatório:
Requer-se, nos termos do art. 528.º do CPC, a intimação da Metro do Porto SA para trazer aos autos, no prazo de que dispõe para dedução da resposta, todos os volumes do EIA (estudo de Impacte Ambiental) elaborado para efeitos do procedimento de AIA (Avaliação de Impacte Ambiental) a que foi sujeito o projecto geral de construção do sistema de metro ligeiro do Porto, para fazer prova do que se alega nos artigos 78, 79 e 80 desta peça.

Valor: ao presente processo cautelar atribui-se o valor de € 15 000,00 (quinze mil euros).
Junta: procurações forenses, 35 documentos, duplicados e cópias legais, bem como o comprovativo do pagamento antecipado da taxa de justiça inicial.

A Sociedade de Advogados
MATIAS SERRA · FERREIRA DA SILVA · PAULA MANO · PAULO DUARTE · SOFIA PENA

JOSÉ PEDRO LIBERAL . BENEDITA GONÇALVES . MARTA REGO RIBEIRO
ADVOGADOS ESTAGIÁRIOS
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