21.6.05

Opinião #1: "Silêncio: a obra vai começar!"

por Teresa Andresen, Arquitecta Paisagista
(in Público-Local - Porto 22 de Março)
«14 de Marco, a televisão apresentou uma notícia sobre uma sessão na Câmara do Porto relativa à apresentação do projecto da Avenida dos Aliados e da Praça da Liberdade da autoria dos arquitectos Siza Vieira e Souto Moura, que foram entrevistados. As palavras de Eduardo Souto Moura produziram em mim um efeito duplo de mágoa e de indignação. Não gravei esses minutos de televisão e, por isso, não sou capaz de reproduzir o que ali foi dito textualmente. Mas transmitiu a ideia que esperava que agora as pessoas não começassem a contestar a obra como sempre acontecia quando no Porto se tocava numa pedra. E até acrescentou que estaria surpreendido pelo facto da obra da Rotunda da Boavista, que teria ficado tão bem, não tivesse recebido aplausos.
O Público de 15 de Março dá conta da posição do presidente da câmara: "Do que ninguém parece duvidar á da contestação que estas alterações irão desencadear na cidade. No Porto, é impossivel começar o que quer que seja sem haver contestação", antecipou Rui Rio, sublinhando que o desenho final decorre de condicionamentos vários mais do que de meros caprichos e insistindo na ideia de que "a intervenção terá a mão de um dos dez melhores arquitectos do mundo, ou seja, Siza Vieira".
Calada tenho estado e sei que muitos outros [tambem o estão]. Mas não posso calar mais. A mágoa é grande, assim como a estupefacção pelo continuado desconhecimento ou menosprezo do "ser" das coisas públicas e isto impele-me a me a não ficar calada.
Estamos a falar de espaço público. Espaço publico é do público, da colectividade, dos munícipes que pagam os seus impostos e que mais frequentemente o utilizam e dele legitimamente se apropriam e o abrem aos visitantes diários ou de passagem. Eles adquiriram naturalmente um direito e um sentimento de posse sobre este espaço, assim como contribuem para a construção do imaginário que se vai tecendo sobre essa apropriação colectiva e que lhes confere o direito de ter uma palavra a dizer sobre os seus desígnios. Ou seja, estamos a falar de cidadania, de cidadãos que não ficam calados e que não gostam de ser admoestados a não falar.
A evolução do espaço público não pode prescindir de intervenções validadas por consurso público, com apresentação de ideias alternativas, acompanhada de pareceres institucionais das tutelas e sobretudo participadas pelo público que precisa de atempadamente, ser informado de forma inteligível e tranquila. A participação é um valor democrático.
Aliás, ao longo de anos tem sido reclamada pela população neste seu local por excelência de afirmação e exercício de princípios democráticos. A Praça e a Avenida (Ironia! chamadas da liberdade e dos aliados!... Humberto Delgado!!! E reparem a simbologia: as estátuas de D. Pedro IV e Garrett nos extremos!) são, como Nuno Corvacho, no Público, dizia: " ...o terreiro dos Aliados, chamemos-lhe assim, é o espaço por excelência onde a cidade manifesta a sua alma colectiva, no que quer que isto signifique".
A solução apresentada pelos arquitectos é uma solução possível. Não conheço o programa encomendado a que estiveram sujeitos, enunciando os objectivos pretendidos Apenas conheço os elementos que a imprensa reproduziu.
Aparenta ser uma solução que privilegia o espaço avenida em vez do espaço praça.
Que privilegia a simplificação da intervenção "verde" recorrendo prioritamente a alamedas (já agora, por favor avaliem a opção das árvores, pois, segundo o jornal, aponta-se para "árvores da mesma família das que lá existem" e isso deixa-me perplexa, pois nenhuma das lá existentes tem revelado adaptar-se bem às condições estéticas e ambientais do lugar? Devia-se trocar ideias e soluções sobre isto!).
Que a privilegias as pessoas nos passeios laterais a alargar, em detrimento da faixa central!
Que provavelmente, antecipa um programa de reabilitação funcional dos edifícios envolventes de mais forte relação com os passeios e que ainda desconhecemos.
Que opta pela neutralização da cor.
Que não atende ao caracter neoclássico/beauxartiano/ecléctico dos edificios circundantes, assim como do espaço avenida e do espaço praça que ali coabitam construídos ao longo do tempo e nunca de uma vez só.
Que opta par uma solução moderno-tardia de simplificação do tratamento do espaço exterior num local onde a remodelação das fachadas dos edificios ao encontro da nova solução agora proposta é impensável (julgo eu!).
O Porto 2001 trouxe investimentos assinaláveis a cidade no respeitante ao espaço publico. É urgente fazer uma avaliação rigorosa e participada desta experiência. Eu diria que houve muita intervenção cujo resultado, em termos gerais, é asseado e asséptico ou higienizado ou esterilizado, ou como lhe queiram chamar, conduzindo a espaços com maior transparêcia e aparente largueza, por vezes pulverizados de mobiliário, mas ambiental, patrimonial e vivenciahnente muito mais pobres.
A qualidade dos materiais - vivos e inertes- introduzidos tem deixado muito a desejar e as soluções projectuais, na maioria dos casos, não revelam qualquer preocupação ou sensibilidade com a sustentabilidade dos programas de conservação e manutenção do espaço público, havendo já sinais de manifesta degradação. A marginal ribeirinha sera uma excepção, embora continue a achar que obrigou a ceder muito espaço público de usa pouco flexível par causa da manutenção do eléctrico. Mas veja-se a Cordoaria, Poveiros, Montevideu, Batalha, Leões, Infante, etc. A Avenida e a Praça estão agora em marcha.
A opção é criar o vazio, como noticia o Público, citando Souto Moura. "O vazio que pode ficar ocupado". E o que estará para vir? A Arca de Água resistirá ao vazio? E São Lázaro? E o Passeio Alegre? Também seremos admoestados a calar?!
No domínio de novos espaços públicos, ditos verdes, se exceptuarmos a Parque da Cidade, Sobreiras, Pasteleira (recuso-me a incluir a alameda de Cartes, a negação do desenho urbano e da compreensão da vivência do espaço público!) pouco mais se terá feito nos tempos recentes. Privilegiou-se "redesenhar" espaços estabilizados na malha urbana com carga patrimonial -cultural/natural- apropriados pelo imaginário colectivo, ignorando que a defesa do património diz respeito a todos.
Será de ficarmos calados? Mesmo quando, como no caso da Praça e da Avenida , a Câmara do Porto usa a autoridade de dois consagrados nomes da arquitectura para manter-nos clados?
Ora isto não pode estar bem! Eis a minha mágoa e a minha indignação!»
Teresa Andresen
Arquitecta Paisagista
Professora Associada Departamente de Botânica, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto